domingo, agosto 01, 2010

Scarface

* Lívio Oliveira
Polícia, política, corrupção, drogas, álcool, mulheres e gângsteres. Não necessariamente misturados nessa ordem, os componentes causam - certamemente - explosões previsíveis. Os ingredientes, um por um, já são motivadores de paixões e de problemas que podem ser irreversíveis, detonando outras realidades mais trágicas e que beiram o absurdo.

Nas duas versões do filme “Scarface”, uma de 1932, em preto e branco, dirigida por Howard Hawkes, outra, modernizada e mais sofisticada, de 1983, dirigida por Brian de Palma, esse “combo” explosivo se verifica.

Essa completa fusão ou confusão tem sempre fins trágicos e destruição, nos lados norte ou sul, seja em Chicago ou em Miami, as duas cidades-palco dos dois filmes em análise. Na verdade, é o lado negro que se ressalta e se instala quando a guerra se inaugura.

A traição é um dos componentes mais presentes nas duas obras que têm um eixo em comum: a corrupção dos políticos e dos homens e mulheres em busca de poder e de espaço num mundo estranho, muito estranho. Cobra engole cobra...e gângster mata gângster em busca de um ilusório “topo do mundo”.

O dinheiro é o principal combustível de toda a trama. Afinal, é o símbolo maior de uma sociedade decadente e perigosa.

A canalhice do gângster revela a hipocrisia da sociedade construída sobre os pés de barro da luxúria e da ascensão social contra a lei. Uma sociedade que elege o bandido sedutor como uma espécie de semideus que tudo pode à força do uso do gatilho e das armas liberadas facilmente pelas leis do Estado corrupto.

A um truculento e às vezes hilário italiano Tony Camonte (da 1ª versão) segue-se, no remake de 1983, um charmoso, sofisticado (mas não menos ensandencido e sombrio) personagem desempenhado por Al Pacino (Tony Montana), encarnando o papel de um imigrante cubano que tenta formar um império de tráfico de drogas e que põe tudo a perder em face da estranha paixão que nutre pela irmã. Uma irmã rebelde e que reflete o lado feminino daquele bandido que ganha a hegemonia das ruas, conquistando espaço e capital à custa de muitos tiros e sangue nas madrugadas. Nessa versão, à direção de Brian de Palma junta-se o roteiro e argumento de Oliver Stone sobre romance de Armitage Trail, que leva os personagens para os anos 80 e transfere o ambiente de Chicago para Miami.

Scarface (nessa segunda versão) é um dos filmes mais violentos já feitos e também um expoente de Hollywood no Cinema da década de 80. 
Em ambas as versões, há componentes incontornáveis:

1.Vê-se que a polícia resta quase impotente diante do crime organizado e frenético, alimentado pela própria sociedade e pelas leis do Estado;

2. Os jornais aproveitam a situação para venderem sensacionalismo, como o fazem até os dias de hoje;

3. Os políticos...bem, todos sabem o que os políticos fazem...

A ruína do criminoso se revela quando ele ultrapassa as poucas, pouquíssimas leis a que obedece. A covardia do gângster que assassina o homem recém-casado com sua irmã (que lhe faria uma surpresa, comunicando-o posteriormente que passara a uma vida mais séria) é “pecado mortal” que lhe vale o império do crime e a sua própria vida.

Não lhe valem mais metralhadoras, nem janelas com venezianas de aço. As balas da polícia atingem primeiro sua irmã, que, arrependida de tentar revidar o assassinato de seu marido, é a última a apoiar Tony, contraditoriamente. A culpa e o remorso pela morte da irmã agora o fazem revelar sua face covarde e medrosa. A irmã era como uma gêmea siamesa, que, morta, traria a mesma consequência ao seu louco irmão.

Enquanto agoniza, a irmã balbucia que seu marido morto não tinha medo, porém o irmão o tinha. Alguma “dignidade” sobrara ao marido defunto, portanto, diferentemente do bandido líder, que já anunciava sua condição de fraco, muito fraco. A única coisa que balbuciava o criminoso covarde ao ser encurralado pelos policiais prestes a eliminá-lo era: “Eu não sabia. Eu não sabia.”

É de se lembrar, como uma das curiosidades do filme mais recente, que foi censurado em muitos países, em face do uso repetido da palavra "fuck" (foda, em inglês), que aparece, simplesmente, 182 vezes. Há quem afirme que a banda Blink-182 adotou o 182 por causa do filme. Essa marca "fuck" só seria superada com o lançamento de Goodfellas ("Os Bons Companheiros", no Brasil) em 1990, em que a referida palavra aparece 246
vezes.

A sociedade é mesmo uma presa, ainda hoje, da força psicológica e da realidade negativa desses enlouquecidos brutamontes, em busca da conquista de um mundo “fácil” e falso. Mas, não é demais lembrar que é essa mesma sociedade que os cria e os alimenta.

Versão de 1932: Scarface (Scarface - A Vergonha de uma Nação)
Diretor: Howard HawksElenco:Paul Muni ... Antonio 'Tony' Camonte Ann Dvorak ... Francesca 'Cesca' Camonte Karen Morley ... Poppy Osgood Perkins ... John 'Johnny' Lovo C. Henry Gordon ... Insp. Ben Guarino George Raft ... Guino Rinaldo Vince Barnett ... Angelo Boris Karloff ... Gaffney Purnell Pratt ... Mr. Garston, publisher Tully Marshall ... Managing editor Inez Palange ... Mrs. Camonte Edwin Maxwell ... Chief of detectivesRemake de 1983: ScarfaceDiretor: Brian de PalmaElenco:Al Pacino ... Tony MontanaSteven Bauer ... Manny RayMichelle Pfeiffer ... Elvira HancockMary Elizabeth Mastrantonio ... GinaRobert Loggia ... Frank LopezMiriam Colon ... Mama MontanaF. Murray Abraham ... Omar SuárezPaul Shenar ... Alejandro SosaHarris Yulin ... Mel Bernstein
 

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